O piso salarial da enfermagem, uma conquista que levou 40 anos para ser alcançada, foi suspenso por força de uma liminar proferida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Roberto Barroso. A liminar atende aos interesses dos patrões pois suspende o direito de 2,6 milhões de trabalhadoras e trabalhadores da Enfermagem de receber o piso salarial. O piso entraria em vigor no dia 5 de setembro, conforme previsto na Lei Federal 14.434/2022.
A liminar concedida pelo ministro Barroso foi proferida no dia 4 de setembro. A decisão foi tomada após ação da Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde). O ministro deu prazo de 60 dias para que União e outros entes públicos e privados se manifestem no processo, informando sobre o impacto financeiro da aplicação da lei.
Recurso e pleno do STF. A decisão do ministro será levada ao plenário do STF. Além disso, os conselhos de Enfermagem já articulam ações para reverter a medida cautelar deferida por Barroso.
Dinheiro tem! De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os planos de saúde tiveram uma receita de mais de R$ 239 bilhões em 2021 (R$ 10 bi a mais que o ano anterior). Em 2020, no auge da crise causada pela pandemia, o lucro dos donos dos planos de saúde foi de R$ 17,6 bilhões. Ainda assim, com todo esse dinheiro no bolso, esses mesmos donos de planos de saúde ingressaram com a ação no STF contra a valorização salarial de auxiliares e técnicos de enfermagem, de enfermeiros e de parteiras, trabalhadores essenciais, cuja importância foi destacada na luta contra a Covid-19.
Em matéria publicada em seu site, o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) aponta que os dados do Painel de Informações do Fundo Nacional da Saúde mostram que o saldo de repasses da união para as 27 unidades federativas corresponde a mais de 35 bilhões de reais. Este montante não está alocado para a cobertura de despesas, ou seja, permanece disponível nos cofres públicos estaduais.
O Cofen também aponta que um estudo viabilizado pelo Grupo de Trabalho do Piso Salarial da Câmara dos Deputados, que foi amplamente divulgado em fevereiro, mostra que o custo anual para implementar o piso da enfermagem e erradicar os salários miseráveis recebidos pelos trabalhadores do setor alcança apenas 2,7% do PIB da saúde e 4% do orçamento do SUS. O valor representa apenas 2% de acréscimo na massa salarial dos contratantes e corresponde a 4,8% do faturamento dos planos de saúde.
Diante destas informações torna-se evidente não haver fundamento na preocupação de que os impactos financeiros do piso da enfermagem representariam risco de demissões em massa e de falta de leitos: Os planos de saúde têm dinheiro e, com recursos também nos cofres públicos, o piso pode, sim se tornar realidade.
Governo faz jogo dos patrões? Enquanto o piso salarial estava em debate no Senado Federal, o Ministério da Saúde não se manifestava sobre o assunto. Apenas em dezembro de 2021, quando o assunto chegou à Câmara dos Deputados, a pasta da saúde do governo Bolsonaro resolveu mostrar as caras. Em audiência pública realizada pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, o Ministério da Saúde apareceu com uma estimativa do impacto da adoção do piso salarial nacional para enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem. O impacto seria de R$ 22,5 bilhões ao ano a partir 2021, podendo chegar a R$ 24,9 bilhões em 2024.
A informação foi criticada na audiência. A demora na apresentação de informações levantou suspeitas de superfaturamento no valor. Além disso, o governo Bolsonaro tem retirado dinheiro da saúde, asfixiando cada vez mais o SUS.
Segundo o Ministério da Saúde, o repasse federal para pasta foi 20% menor que em 2021, passando dos R$ 200,6 bilhões para os atuais R$ 160,4 bilhões. Enquanto isto, o governo Bolsonaro liberou, em um intervalo de 18 dias, R$ 6,6 bilhões, para estados e prefeituras, no chamado orçamento secreto. A correria aconteceu para que o governo fizesse o repasse a tempo, antes de não ser mais possível devido ao prazo estabelecido pelo calendário eleitoral.
O orçamento secreto consiste em um dinheiro que pode ser usado sem que o nome do congressista (deputado ou senador que destina a emenda a município ou estado) seja revelado no portal da transparência. Esse tipo de repasse, feito sem transparência, tem aumentou e muito no governo atual.
E tem mais dinheiro! De acordo com a Auditoria da Dívida Cidadã, o governo federal gastou R$ 1,96 trilhão, em 2021, com juros e amortizações da dívida pública, o que representa um aumento de 42% em relação ao valor gasto em 2020. É dinheiro que poderia ser usado para saúde, educação, mas que o governo destina ao mercado financeiro para dar garantias a rentistas e bancos.
O que falta para a implementação do piso é vontade política de enfrentar os patrões. O governo prefere manter sua política de redução de investimentos públicos, em especial no SUS, enquanto mantém os afagos ao mercado financeiro com aumento de juros e amortizações da dívida.