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#JacyFica: Demissão de Jacyara Paiva levanta suspeita de perseguição sindical na Ufes

#JacyFica: Demissão de Jacyara Paiva levanta suspeita de perseguição sindical na Ufes

Chamamos todas as trabalhadoras e todos os trabalhadores na Ufes a apoiarem sua permanência assinando o Manifesto de apoio promovido pela Adufes. Clique aqui


Jacyara Paiva, professora do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e atual 2ª Secretária da Regional Leste do Andes (Sindicato Nacional dos Professores), enfrenta um processo de exoneração na Universidade. A Administração Central justifica sua demissão citando uma decisão judicial que alega ser obrigada a cumprir. Mas essa explicação não convence. Entenda o caso.

Ingresso da Professora na Ufes
A Dra. Jacyara Paiva foi aprovada em segundo lugar, em 2013, em um concurso público para o cargo de Professora do Magistério Superior do Departamento de Linguagens, Cultura e Educação (DLCE) do Centro de Educação (CE) da Ufes. O certame, regido pelo Edital nº 124/2013, visava preencher uma vaga na área/subárea de “Educação”, com validade inicial de 2 anos, prorrogável por mais dois anos. Como naquela ocasião, havia apenas uma vaga disponível, Jacyara aguardou no cadastro de reserva.

Em 2017, ainda durante a vigência do concurso em que Jacyara foi aprovada, a Ufes lançou o Edital nº 42/2017, para contratar um docente na mesma área/subárea de “Educação”. Os programas dos dois editais podem ser comparados através dos links disponíveis neste parágrafo e no parágrafo anterior. No Edital nº 124/2013, o programa da vaga encontra-se no item 1.1.2, enquanto no Edital nº 42/2017, o programa da vaga está no item 2.5.1.2.

Considerando que ao lançar um novo edital para um cargo, área e subárea idênticos ao do concurso anterior, a Ufes teria ferido seu direito, Jacyara recorreu à justiça por meio de um mandado de segurança e obteve uma decisão favorável. A decisão em seu favor está documentada na peça de número sequencial 23 do Processo digital nº 23068.061189/2023-22 (clique aqui para acessar o processo e encontrar a peça). A Ufes argumentou que, embora fosse o mesmo cargo, os editais apresentavam requisitos de investidura distintos, conforme os programas especificados em cada documento (os links para os editais, nos parágrafos anteriores permitem que você compare e verifique a validade dessa alegação da Universidade). A justiça entendeu que as discrepâncias nos programas não eram suficientes para diferenciar os cargos, concedendo a Jacyara a prioridade de convocação sobre os aprovados no concurso regido pelo Edital nº 42/2017. Ela foi então nomeada, com base nessa decisão judicial, e passou a integrar o corpo docente da Ufes.

Posse efetiva
Inicialmente, o Departamento de Linguagens, Cultura e Educação do Centro de Educação da Ufes demonstrou resistência à nomeação da professora e insistiu em recorrer da sentença judicial. No entanto, durante a 7ª Reunião Ordinária do ano letivo de 2018, realizada em 25 de junho de 2018, o Conselho do Departamento decidiu “pela manutenção do vínculo da professora interessada e consequente desistência do recurso de apelação interposto, tendo em vista o respeito ao Princípio da Economicidade e do melhor Interesse Público, uma vez que a professora tem cumprido seus encargos de forma satisfatória e foi aprovada em Concurso Público. Aprovado”. Infelizmente, o extrato da ata está restrito à peça de número sequencial 2 do Documento avulso nº 23068.035607/2018-69. As aspas acima foram retiradas da peça de número sequencial 34 do Processo digital nº 23068.061189/2023-22 (clique aqui para abrir o processo e encontrar a peça).

Essa decisão embasou a publicação do Memorando nº 182/2018/GR/UFES, no qual a Reitoria da Ufes informa “que, do ponto de vista da Administração Central da UFES, não há óbice quanto à permanência da professora em questão e, sendo assim, a Ufes tem interesse em encerrar o litígio judicial, tornando efetivo o ingresso da referida professora nos quadros funcionais de nossa Instituição”. O documento pode ser lido na peça de número sequencial 5 do Documento avulso nº 23068.035607/2018-69 (clique aqui para abrir o processo e encontrar a peça). Esse memorando foi enviado à Procuradoria Federal, que o encaminhou por e-mail à Chefe da Procuradoria Regional Federal da 2ª Região da Advocacia Geral da União em 10 de outubro de 2018 e torna cristalina a decisão da Universidade, aprovada no Conselho do DLCE/CE e ratificada pela Reitoria, de efetivar a posse de Jacyara.

O Reexame Necessário
O Parágrafo 1º do Art. 14 da Lei nº 12.016/2009 determina que, sempre que o juízo de primeira instância concede a segurança (é favorável ao pedido) em um mandado de segurança, a sentença deve ser necessariamente reexaminada em uma segunda instância. Isso ocorreu com o processo, que foi encaminhado ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região e julgado por sua Oitava Turma Especializada.

Durante o julgamento do reexame necessário, o voto do Desembargador Federal, que foi acompanhado unanimemente pela corte, reformou a decisão de primeira instância. A nova decisão não determinou a exoneração de Jacyara e sim estipulou que, considerando a posterior anulação do Edital nº 42/2017 pela Ufes, a Universidade não estava obrigada a nomear a professora. É essencial destacar os termos utilizados no voto, disponíveis na peça de número sequencial 25 do Processo digital nº 23068.061189/2023-22 (clique aqui para abrir o processo e encontrar a peça). O desembargador, que considerou que para a a Administração da Ufes a contratação de Jacyara ainda seria tida como inoportuna, afirmou que: “não cabe ao Judiciário imiscuir-se nas atribuições do gestor público e determinar a efetivação da contratação tida como inoportuna pela Administração” e também que “se trata de prerrogativa da Administração Pública eleger, no âmbito de seu poder discricionário, a melhor forma de prestar os seus serviços”.

Como é possível ler na sentença, ao contrário do que foi veiculado em notas e publicações da Administração Central da Ufes, a decisão não declara nem a ilegalidade nem a nulidade da posse de Jacyara. A sentença simplesmente concede à administração a discricionariedade de, caso considere esta posse inoportuna, não efetivá-la. Porém, como demonstrado anteriormente, tanto o Conselho Departamental do DLCE/CE quanto a Administração Central da Ufes declararam em 2018 o interesse da Universidade na permanência de Jacyara, considerando inclusive que esta permanência seria do melhor interesse público. O Desembargador não considerou este aspecto ao julgar o caso apenas por uma questão de procedimento jurídico: tanto a Ufes quanto a Jacyara desistiram do processo e, por isso, ele não levou em consideração o que ambas as partes sustentaram em suas alegações. Isso levanta perguntas inevitáveis: se a Administração Central da Ufes usa essa decisão para dizer que está obrigada a demitir Jacyara, então ela passou a considerar inoportuna a sua posse? O que mudou para que a Administração que antes considerava sua permanência do melhor interesse público, passe agora a considerá-la inoportuna e decida por desligar a professora?

Trânsito em Julgado
Após a decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, novos recursos foram encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. Nestes casos, os recursos abordaram os procedimentos jurídicos dos julgamentos, não o mérito da questão. Portanto, os tribunais superiores não analisaram os fatos e jamais emitiram qualquer decisão que determinasse o desligamento da professora, a nulidade de sua posse ou algo semelhante. As decisões do STJ e do STF podem ser consultadas nas peças de número sequencial 27 e 28 do Processo digital nº 23068.061189/2023-22 (clique aqui para abrir o processo e encontrar as peças). Após o esgotamento dos recursos possíveis, o processo transitou em julgado em 13 de agosto de 2021, o que significa que a decisão do TRF2 tornou-se definitiva.

Parecer de Força Executória
Quando uma decisão judicial, favorável ou desfavorável à Administração Pública Federal, é emitida, cabe à Advocacia Geral da União comunicá-la aos órgãos por meio de seus procuradores, utilizando um documento chamado Parecer de Força Executória. No caso de Jacyara, foi emitido o Parecer de Força Executória nº 00003/2023/EATE1-EXEC/EADM2/PGF, disponível na peça de número sequencial 21 do Processo digital nº 23068.061189/2023-22 (clique aqui para abrir o processo e encontrar a peça). No entanto, assim como todos os documentos anteriores, este parecer não determinou o desligamento de Jacyara. Ele simplesmente explicou que a decisão do TRF2 é dotada exequibilidade (é possível de ser executada).

Quando esse documento chegou à Ufes, a Procuradoria Geral da Universidade autuou o Processo digital nº 23068.061189/2023-22, e colocou neste processo os autos do Documento avulso nº 23068.035607/2018-69, o processo no qual tanto o DLCE/CE quanto a Administração Central decidiram que era oportuna a manutenção de Jacyara na Ufes. O processo foi encaminhado à Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas com um despacho intrigante, no qual alguns verbos chave foram destacados:

“Segue PFE comunicando vitória da UFES (sequencial 21), esclarecendo que o ato praticado pela autoridade administrativa impugnado no processo judicial foi considerado válido pelo Judiciário, razão pela qual a autora deverá ser desligada do quadro funcional, SE tiver sido empossada APENAS com base da decisão judicial de primeira instância proferida na mesma ação (PORTARIA Nº 2.225, DE 6 DE NOVEMBRO DE 2017, sequencial 6)”.

Este é o primeiro momento em todo o processo no qual alguma orientação em direção ao desligamento da professora é emitida. É importante mencionar que esta orientação não veio da Advocacia Geral da União, mas da Procuradoria Geral, órgão de controle interno ligado à Reitoria da Universidade (veja o Art. 10 do Regimento Geral da Ufes e a estrutura organizacional da Ufes). Consulte a peça de número sequencial 31 do Processo digital nº 23068.061189/2023-22 (clique aqui para abrir o processo e encontrar a peça) e observe que as palavras em caixa alta foram grafadas assim pelo Procurador Geral.

A essa altura, o leitor já deve ter se convencido de que Jacyara não foi empossada apenas com base na decisão judicial da primeira instância, conforme evidenciado pela decisão do Conselho Departamental na 7ª reunião ordinária do ano letivo de 2018 e pelo Memorando nº 182/2018/GR/UFES, que decidiram por sua posse efetiva. Não parece que esses documentos foram anexados aos autos do Processo digital nº 23068.061189/2023-22 sem motivo. No entanto, a Pró-Reitora de Gestão de Pessoas, ao receber os autos, os devolveu à Procuradoria Geral solicitando novas orientações, pois, supostamente, o Parecer de Força Executória nº 00003/2023/EATE1-EXEC/EADM2/PGF não mencionaria as peculiaridades do caso concreto por, segundo o despacho da Pró-Reitora, não as conhecer (consulte a peça de número sequencial 33 do Processo digital nº 23068.061189/2023-22 clique aqui para abrir o processo e encontrar a peça).

Diante da solicitação da Pró-Reitora, um novo Parecer de Força Executória foi emitido em complementação ao anterior. O novo parecer está disponível na peça de número sequencial 40 do Processo digital nº 23068.061189/2023-22 (clique aqui para abrir o processo e encontrar a peça). Este novo documento difere do primeiro, pois agora recomenda o desligamento de Jacyara do quadro docente da Ufes. É crucial observar que neste novo documento há uma citação do Procurador Geral da Ufes, afirmando que “esta PF-UFES considera que não existe substrato jurídico para a manutenção da parte autora no quadro docente, uma vez que, como dito acima, sua nomeação ocorreu em cumprimento a uma sentença que perdeu seus efeitos” e que “Cabe informar que, a despeito da desistência da Apelação, não foi formalizado nenhum acordo/transação entre as partes”.

Por que a explicação da Ufes não convence?
Entre o trânsito em julgado em 2021 e sua repentina retomada em 2023, o processo de Jacyara não teve nenhuma movimentação significativa. Durante esse período, a professora continuou suas atividades normalmente. No entanto, 2021 foi também o ano em que Jacyara foi eleita Vice-Presidenta da Adufes (Seção da Ufes do Sindicato dos Professores), marcando o início de uma série de embates com a Administração Central da Universidade. Um dos mais intensos ocorreu em 2023, quando a Administração Central buscou aprovar uma resolução de cotas em concursos docentes, após 9 anos de descumprimento da Lei de Cotas, sem incorporar a necessária reparação pelos anos de descumprimento. No mesmo período, Jacyara também denunciou situações de assédio e racismo institucional. Foi durante esses embates que um pedido de acesso à informação anônimo foi registrado no Sistema FalaBR (Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação) sobre seu processo. Logo após esse pedido, o processo voltou a se movimentar, originando a emissão dos pareceres de força executória.

De posse dos pareceres de força executória, obtidos após o pedido de acesso à informação anônimo, a Administração da Ufes passou a afirmar que estaria de mãos atadas, sem alternativas a não ser cumprir a determinação de exonerar Jacyara de seu quadro docente. No entanto, o conjunto documental sugere que, ao emitir o segundo parecer, a AGU não só não foi informada do desejo da Ufes de manter a professora em seus quadros, como, pelo contrário, tudo indica que seus procuradores foram levados a entender que a Ufes continuava considerando inoportuna a posse da professora.

Se é verdade que a Administração Central da Ufes não está agindo com a intenção de desligar Jacyara, várias outras medidas poderiam ter sido tomadas quando informada das decisões judiciais. Poderia ter avisado antecipadamente a professora e articulado uma estratégia conjunta de defesa. Poderia ter declarado abertamente seu interesse na permanência da professora em comunicados à imprensa e em publicações em seu site e portais oficiais. Poderia ter reforçado a importância do Memorando nº 182/2018/GR/UFES e buscado reafirmar sua autonomia administrativa. Poderia ter solicitado uma audiência com o Procurador Federal responsável pelo processo, ou mesmo com o Advogado Geral da União, se necessário, para comunicar seu interesse na manutenção da professora. Poderia ter buscado apoio da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). No entanto, a Administração Central seguiu com o processo sem informar a professora durante todo o segundo semestre de 2023, criando uma relação de antagonismo com ela e sua defesa. Ao se dirigir à imprensa, adotou um discurso que mina sua própria prerrogativa administrativa, omitindo ou minimizando a decisão do Memorando nº 182/2018/GR/UFES e enfraquecendo sua autonomia.

Apesar da insistência de que nada mais poderia ser feito, diante da grande mobilização em prol da permanência de Jacy, não apenas no Espírito Santo, mas em todo o Brasil, a Administração Central da Ufes decidiu enviar, no dia 19 de janeiro de 2024, o processo para reexame da Advocacia Geral da União, algo que poderia ter sido feito antes de todo o desgastante embate que tem ocorrido desde o início do ano.

Conclusão
A explicação da Administração Central não convence. Além disso, o momento e a maneira como o processo de Jacyara foi retomado, por meio de um pedido de acesso à informação anônimo após dois anos de inatividade e coincidindo com o auge dos embates de sua militância antirracista, levantam fortes suspeitas de que Jacyara esteja sofrendo uma perseguição política e sindical, inclusive fundamentada no racismo institucional. O Sintufes está atento e se coloca ao lado de nossa companheira Jacyara.

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