O Sindicato dos Trabalhadores na Ufes tomou conhecimento da recente decisão do Departamento de Línguas e Letras da Ufes (DLL) de destinar para a área de língua francesa a vaga surgida com o falecimento da saudosa professora Jurema Oliveira, da área de literatura.
A professora Jurema Oliveira foi uma incansável guerreira na luta contra as opressões etnicorraciais. Foi como parte de sua militância, que a professora Jurema transformou sua cátedra em um instrumento contra a invisibilização do povo negro.
O racismo institucional é uma inegável realidade dentro da Ufes. Uma volta pelos corredores da instituição revela como a constituição da sociedade capixaba em sua distribuição etnicorracial não se reproduz nos espaços de poder da universidade. Não se reproduz na distribuição etnicorracial dos trabalhadores técnico-administrativos em educação em seus cargos. Também não se reproduz na distribuição etnicorracial dos membros dos departamentos docentes.
A Ufes ainda tem muito o que melhorar quanto à visibilidade da produção do povo negro e indígena em suas disciplinas. Enquanto a ciência, a cultura e a produção branca e europeia são estudadas em numerosas disciplinas nos diversos programas da Ufes, disciplinas como aquelas ofertadas pela professora Jurema só são ofertadas se forem fruto de um longo percurso de lutas contra o racismo institucional existente infelizmente na Ufes e em toda a sociedade capixaba e brasileira. Lutas invariavelmente travadas com o desgaste justamente de quem já sofre com o racismo dentro e fora da universidade.
Diante do importante legado da professora Jurema e do inegável racismo diariamente reproduzido nos corredores, nas salas de aula, nos auditórios e nos diversos espaços de decisão da Ufes, compreendemos toda a indignação dos membros da comunidade acadêmica e da sociedade capixaba com a notícia de que as disciplinas ministradas pela professora seriam extintas em favor da abertura de uma vaga na área de língua francesa.
Após tomarmos ciência da questão, consultamos colegas docentes membros do Departamento de Línguas e Letras, favoráveis e contrários à decisão tomada pelo DLL. Fomos informados de que a decisão, tomada no último dia 11 de novembro de 2022, também teve como elemento de complexidade a falta de docentes na área de língua francesa, o que é mais um sintoma do descaso com a educação pública. O curso de Letras-Francês contaria atualmente com apenas um docente para suas disciplinas, o que coloca em risco não só a oferta do curso para futuros alunos, como até mesmo a demanda de estudantes já matriculados.
Do que pudemos entender, a continuidade das disciplinas ofertadas pela professora Jurema não estaria em questão. A manutenção das disciplinas ofertadas pela professora no campo antirracista vai depender, seja sua vaga destinada à literatura ou à língua francesa, do compromisso e da organização do departamento para isso. Este é um compromisso que reivindicamos enquanto sindicato! Um compromisso que deve ser honrado pelo DLL e por todos os seus professores. É inaceitável que todo o esforço de uma professora negra para que sejam ministradas disciplinas antirracistas na Ufes não encontre eco após o seu falecimento. Este é um dever para com a memória de Jurema Oliveira e para com toda a população negra da Ufes e capixaba.
Lastimamos sobremaneira que não haja garantia de que a vaga da professora Jurema seja ocupada por uma pessoa negra. A falta de regulamentação das cotas nos concursos para professores é mais uma dentre as tantas barreiras que precisam ser rompidas com urgência para que a Ufes avance em direção a tornar-se uma universidade inclusiva. Também reivindicamos como sindicato que as cotas raciais sejam devidamente implementadas nos concursos para os docentes. Deve ser garantida uma representação mínima de 20% dos professores ingressantes, conforme preconiza a lei nº 12.990 de 9 de junho de 2014, o que ainda estaria muito aquém dos mais de 50% que representa o quantitativo das pessoas negras na totalidade da população capixaba.
Assim, compreendemos que o assunto se reveste de uma grande complexidade técnica nos marcos da política pedagógico-organizativa do departamento. Não é justo que os colegas professores do DLL tenham que escolher entre a manutenção da fragilidade do curso de Letras-Francês e o risco de se fragilizar o legado da saudosa professora Jurema Oliveira. Por outro lado, diante de uma decisão difícil como esta, é necessário que se leve em consideração o cenário de racismo institucional que procuramos expor nesta nota, além de tantos outros elementos já colocados há tanto por lutadoras e lutadores antirracistas, como a nossa, agora, ancestral Jurema Oliveira. Esses são elementos que expõem a gravidade da situação em que o racismo estrutural coloca negras e negros no Brasil e no mundo. O racismo institucional se caracteriza pela falta de compreensão desta situação e da importância de se manter o legado de alguém que deu sua vida na luta por um mundo mais humano. (Jurema Presente!!!)
Estamos cientes de que o DLL está se organizando para a convocação de uma reunião no qual o assunto será tratado com importantes atores da luta antirracista da universidade. Esta reunião terá o objetivo de compreender os efeitos políticos e sociais da decisão tomada e de estudar a necessidade de sua reversão. Por isso, o Sintufes, por ora, se coloca tanto em solidariedade para com aqueles que se indignaram com a decisão, nos colocando em vigilância quanto ao que será definitivamente decidido, quanto em apoio aos colegas do DLL, reconhecendo a dificuldade que nos é colocada pela falta de valorização do ensino público que produz a acumulação de problemas e a tarefa de geri-los correndo o risco de errar seja qual for a decisão tomada.
Diretoria Colegiada do Sintufes
Vitória, 16 de novembro de 2022