O Planejamento Estratégico da Diretoria Sintufes promoveu uma importante discussão que esmiuçou a realidade que a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) trouxe para dentro dos hospitais universitários (HUs). E o que entrou nos HUs não foi uma solução ou uma panaceia mágica. Pelo contrário.
Quem fez uma análise minuciosa dessa relação foi a coordenadora da Mulher Trabalhadora da Fasubra, Naara Siqueira de Aragão. Ela é assistente social do Hospital Universitário da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), no Mato Grosso do Sul. Sua apresentação aconteceu no dia 2 de setembro de 2022, dentro da programação do planejamento. A íntegra da sua fala está disponível no site do Sintufes!
Sabe muito! Trabalhadora do HU da UFGD desde 2010, Naara conhece a fundo a questão. Ela escreveu um artigo em que analisa os últimos dez anos do trabalho da Ebserh nos HU. O texto traz um histórico dos hospitais, conta sobre suas construções e integra o livro, que foi escrito coletivamente pelos TAE sobre a Universidade e os Hospitais Universitários na perspectiva da categoria dos técnicos.
Em sua fala, Naara provou que o argumento (usado, dentre outros, pelo ex-reitor Reinaldo Centoducatte, quando ele decidiu, monocraticamente, fazer adesão do Hucam à Ebserh) de que a empresa seria a solução para as questões administrativas e de recursos humanos dos HUs é falacioso!
‘Vendida’ como solução (por conselhos universitários e reitores que decidiram em favor Ebserh), a empresa acabou não cumprindo com essa promessa.
O que ela trouxe, na verdade, foi uma grave ferida à autonomia universitária, que era uma questão sempre destacada nos enfrentamentos da Fasubra, do Sintufes e demais sindicatos contrários à entrada da Empresa Brasileira nos HUs.
E foi além! A Ebserh aumentou custos, enfraqueceu o elo entre o hospital e o ensino e só fez ampliar o problema dos diferentes vínculos trabalhistas encontrados nos HUs. E o que é pior: a Ebserh conseguiu gerar distorções entre trabalhadores vinculados a ela mesma e que deveriam receber o mesmo salário, por terem o mesmo cargo/tempo de serviço etc.
Em meio ao emaranhado de reveses, Naara salientou que é um desafio para a categoria dos TAEs, para o movimento sindical que representa essa categoria: entender que quem trabalha na Ebserh não é o problema e não deve ser penalizado por isso.
Assista ou leia! Confira abaixo o vídeo com a íntegra da fala da assistente social e coordenadora da Fasubra, Naara Siqueira de Aragão. Na sequência, a transcrição do que Naiara apresentou, separada pelas indicações (grifadas) de cada assunto abordado pela trabalhadora.
HU quebra paradigmas, mas sofre com o sucateamento asfixia financeira
O Hospital Universitário precisou passar por uma mudança de paradigma nos últimos anos com a mudança do caráter assistencial em saúde: hoje há um olhar pautado pelo cuidado e parte de uma ação multidisciplinar e não apenas focada nos profissionais médicos.
Os hospitais universitários sofreram com o sucateamento ao longo dos anos. Apesar de sempre serem colocados como locais extremamente importantes por fazerem o ensino em saúde, os HUs não recebem o investimento adequado e não recebem profissionais por meio de concursos públicos. Há um histórico de contratações por fundações e terceirização, levando a uma rotatividade no quadro que é prejudicial.
Precarização dos vínculos
Essa precarização nos vínculos levou a um questionamento por parte do MP (Ministério Público) que cobrou por uma solução imediata quanto ao problema. O que se imaginou que resultaria em abertura de novos concursos, se tornou ocasião para a criação da Ebserh (a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares).
Apesar da luta sindical, universidades aderem à Ebser
A Fasubra e o Sintufes lutaram fortemente contra a Ebserh enquanto modelo de empresa. O entendimento é que as universidades, tendo investimento, poderiam gerenciar sem dificuldade os hospitais.
Depois de muito questionamento, muita greve e muita pressão, os conselhos universitários aderiram à Ebserh. Na época também havia um desconhecimento quanto aos múltiplos interesses, valores de cargos comissionados, estruturas organizativas que perpassam a empresa.
Entrou para melhorar a administração dos HUs, mas…
A primeira contradição da empresa é a ideia de que as universidades não sabiam ser eficientes na administração de hospitais. Ela (Ebserh) criou uma estrutura em Brasília com quase 200 cargos extremamente bem remunerados. Foi criada toda uma máquina pública, uma estrutura muito cara, para gerir os hospitais. Essa estrutura se reflete dentro dos hospitais.
…alterou o que funcionava e aumentou a despesa
Antigamente tinha-se como valor de referência as remunerações de funções gratificadas e cargos de direção das universidades. Com a Ebserh isso foi tudo alterado. Hoje o cargo mais baixo da Ebserh, em qualquer hospital, ganha em torno de R$ 5 mil para além da remuneração básica. Toda a argumentação de que a Ebserh seria mais barata não se confirma. O custo da empresa é muito maior.
Centralização na superintendência
A empresa trabalha de forma centralizada. Nas universidades a lógica sempre foi outra: a direção era feita por conselhos com representação técnica, docente e discente. Na Ebserh as decisões são centralizadas no superintendente e em três gerentes. A participação dos trabalhadores, docentes e discentes foi diminuída pois os conselhos se tornaram consultivos na grande maioria das universidades
Ataque à democracia
A Ebserh tem um modo de indicação para cargos que não prevê eleições. Antes, muitos hospitais universitários contavam com eleições para diretores de Enfermagem, clínico, etc.
Dificuldades e distorções salariais em meio a diferentes vínculos trabalhistas
Há grande dificuldade causada pela diferença de vínculo: trabalhadores do RJU e trabalhadores CLT (celetistas, a Ebserh faz contrato com carteira de trabalho assinada). Também existem terceirizados, contratos etc.
No mesmo local de trabalho, RJU e CLT fazendo a mesma coisa, ganham salários diferentes.
No PCCTAE todo mundo na mesma classe de qualificação ganha o mesmo salário. Na Ebserh o salário é por cargo. Também há diferença de carga horária. O médico da Ebserh trabalha 24 horas, os do RJU trabalham 20 horas ou 40 horas. No mesmo setor existem médicos ganhando 20 mil e médicos ganhando 5 mil.
Erro da Ebserh: insalubridade sobre o salário-base em vez de sobre o mínimo
A Ebserh cometeu um erro na construção de seu contrato e colocou que a insalubridade se faz em cima do salário-base da Ebserh. Na CLT a insalubridade é sobre o salário mínimo. Como o salário da Ebserh é alto, quando a pessoa tinha direito a insalubridade, isso aumentava muito o salário (dela).
Posteriormente, a Ebserh conseguiu revisar na Justiça essa previsão. Os novos empregados ganham a insalubridade em cima do salário mínimo. Isso está atrapalhando inclusive a negociação do novo ACT (acordo coletivo de trabalho) porque a empresa quer os empregados antigos abram mão do percentual sobre o salário-base e passem a receber sobre o salário mínimo para então receberem o reajuste.
Então até dentro dos CLT da Ebserh tem diferença salarial.
Avaliação é mais um problema, pois prejudica a qualidade do ensino em um HU!
A avaliação da Ebserh também é um problema. É uma avaliação baseada em produtividade e metas. E possuem a intenção de expandir essa avaliação inclusive para o RJU. Isso em um ambiente que é um hospital de ensino. Um hospital de ensino tem uma morosidade necessária, porque pare ensinar é preciso discutir o caso, permitir que os alunos façam atendimento. A avaliação baseada em produtividade se reflete em perda na qualidade do ensino porque gera a necessidade de um funcionamento mais ágil.
Fere a autonomia universitária
A Ebserh possui um programa para que os hospitais implantem a chamada gestão plena que nada mais é do que esvaziar o hospital de toda a influência das universidades. A única gerência da universidade sobre o hospital é a nomeação do superintendente. A universidade não tem mais controle do orçamento, da estrutura etc. É um atentado contra a autonomia universitária.
Vários hospitais universitários têm fechado postos de pesquisa dentro dos hospitais universitários e inclusive privilegiado oferecer vagas de estágio para universidades estaduais ou mesmo privadas que aportem recursos aos hospitais.
A gestão dos hospitais hoje é focada nos contratos com municípios e estados para o atendimento em saúde e não mais enquanto instrumento de ensino universitário.
RJU na folha de pagamento da Ebserh? Só se a Universidade bancar
Os trabalhadores RJU deveriam passar para a folha da Ebserh, o que geraria custos para a Ebserh. A Ebserh, porém, deseja gerenciar os trabalhadores da universidade sem que eles sejam cedidos para a Ebserh. Então todas as questões de folha, férias, insalubridade, avaliação, ficam com a universidade.
Esse problema da cessão gera contradições como falta de substitutos eventuais de chefias. Quem não tem cargo com cedência efetiva na Ebserh não pode ser substituto eventual. Como em muitos setores o substituto natural seria alguém que ainda está vinculado às universidades, a Ebserh vai buscar substitutos eventuais fora dos setores.
Para a Ebserh hoje receber de fato o trabalhador, ela teria o ônus porque os trabalhadores poderiam optar por receber benefícios da folha da Ebserh: saúde, creche, alimentação. Mas a Ebserh deseja gerenciar a vida do trabalhador: quando você vai folgar, férias, como serão os feriados.
Os RJUs são forçados a obedecer a uma empresa que não quer arcar com o ônus de seus salários.
Estamos no mesmo barco: a empresa é o problema, não quem trabalha nela!
O grande desafio (do movimento sindical de representação de RJU, de trabalhadores RJU, entre outros) é não criminalizar o trabalhador da Ebserh que não tem culpa da existência da empresa e de todas essas contradições.
Eles são trabalhadores e precisam de amparo. Eles não possuem progressões, não possuem incentivo à qualificação (benefícios previstos na carreira do RJU, o PCCTAE).
É preciso lutar!
Temos que pautar por democracia com a construção dos conselhos. Temos que pautar o atendimento a funcionários e alunos. Temos que pautar a liberdade de que cada universidade trabalhe a estrutura organizacional dos hospitais conforme a territorialização da saúde, o que é uma previsão do SUS.
Temos que fazer a discussão da cessão para entender como organizar os trabalhadores de maneira que as cessões não ocorram, mas que os trabalhadores permaneçam efetivamente como trabalhadores da universidade sendo plenamente atendidos pela universidade.